A SUPREMACIA DE CRISTO NA CARTA AOS HEBREUS
Eu me pergunto se é apropriado ter um livro “favorito” da
Bíblia. A ideia arranha como unhas em um quadro-negro. O que nos induziria a
preferir uma porção da Palavra de Deus em detrimento de outra? Deveria parecer
que ouvir Deus dizendo qualquer coisa é tão grande deleite para a alma que toda
palavra que procede da Sua boca desperta a alma com a mesma intensidade. Talvez
quando chegarmos na glória, nosso deleite em Deus e em Sua Palavra serão tal
que não mais se conhecerão graus comparativos.
Enquanto isso, somos deixados com nossas variadas
inclinações. Quando penso em livros “favoritos” da Bíblia, eu sempre coloco
Hebreus perto do topo. Por quê? Em primeiro lugar, porque este livro liga
habilmente o Antigo e o Novo Testamento. O que Agostinho disse é verdade: “O
Novo está oculto no Antigo, e o Antigo é revelado no Novo”. A ponte entre os
dois é a carta aos Hebreus.
Hebreus é um livro de comparações e contrastes. A Nova
Aliança é vista em contraste com o pano de fundo da Antiga. A nova é vista como
sendo melhor. “Melhor” é a palavra operante. A Nova Aliança é melhor porque é
mais abrangente (inclui os gentios); porque tem um melhor Mediador; porque tem
um melhor Sumo Sacerdote; porque tem um melhor Rei e uma melhor revelação de
Deus.
O que a Nova Aliança tem que falta na Antiga Aliança é o
cumprimento do Messias prometido. Em uma palavra, nós temos Jesus – a Palavra
feita carne. De fato, na medida em que o autor de Hebreus (que eu acredito ter
sido Paulo, possivelmente através de um amanuense) descreve a pessoa e a obra
de Jesus, os comparativos rapidamente mudam para o superlativos. Não é o
suficiente ver Jesus como sendo simplesmente “melhor” do que o que veio antes.
Ele é mais do que melhor, Ele é O Melhor.
Sob este aspecto, Hebreus centra-se na supremacia de Cristo.
Falar de “supremacia” é falar do que está “acima de” ou “superior a” outros.
Ela atinge o nível do “excelente”. Em nossa língua, supremacia se refere ao que
(ou quem) é o maior em poder, autoridade, ou posição. Ela também é usada para
descrever o que (ou quem) é o maior em importância, significado, caráter, ou
conquista – o “Supremo”, perfeito, máximo, completo e insuperável. Em todas
estas áreas de consideração, Jesus está colocado como o completo ou supremo –
supremo em poder, posição, glória, autoridade, importância, etc.
A elevada Cristologia de Hebreus está posta em contraste ao
pano de fundo do Antigo Testamento. A carta aos Hebreus começa com a declaração
de Cristo como a suprema revelação de Deus: “Há muito tempo Deus falou muitas
vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas
nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de
todas as coisas e por meio de quem fez o universo. O Filho é o resplendor da
glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por
sua palavra poderosa…” (Hebreus 1:1-3a NVI).
Aqui, a supremacia de Cristo é a Sua preeminência sobre os
profetas do Antigo Testamento. Esses profetas falaram a Palavra de Deus – mas
Cristo é a Palavra de Deus. Ele não é apenas um profeta em uma longa série de
profetas. Ele é o Profeta por excelência. Esta suprema revelação vem da parte
Dele, Aquele que é mais do que um profeta – o próprio Filho de Deus. Nesta passagem
de abertura da carta, há Cristologia pesada o suficiente para ocupar a vida
inteira dos mais astutos teólogos, sem que sua riqueza se esgote.
Aqui Cristo é visto como o Criador do mundo e Aquele que o
sustenta pelo seu poder. Ele é o Criador de todas as coisas e o herdeiro de
todas as coisas. Ele é o próprio resplendor da glória de Deus. Novamente, não é
suficiente dizer que Ele é o supremo reflexo da glória divina. Não, Ele é o
resplendor desta glória. Ele é a expressa imagem da pessoa de Deus, aquele que
carrega a Imago Dei de forma suprema.
Em seguida, Hebreus estabelece o contraste entre a pessoa e
a função dos anjos e de Jesus. Nenhum anjo está ao nível do Filho unigênito de
Deus. Os anjos não devem ser adorados – mais ainda, os anjos são ordenados a
adorar a Cristo. O Reino não é dado aos anjos, ele é dado a Cristo, o único que
está assentado à mão direita de Deus Pai, em posição de autoridade cósmica. Em
todos os sentidos Cristo tem supremacia sobre os anjos e não deve ser
confundido como sendo um deles.
Depois, o autor de Hebreus detalha a supremacia de Cristo
sobre Moisés. Certamente Moisés é a pessoa mais exaltada do Antigo Testamento
no seu papel de mediador da Lei. Nós lemos: “Portanto, santos irmãos,
participantes do chamado celestial, fixem os seus pensamentos em Jesus,
apóstolo e sumo sacerdote que confessamos. Ele foi fiel àquele que o havia
constituído, assim como Moisés foi fiel em toda a casa de Deus. Jesus foi
considerado digno de maior glória do que Moisés, da mesma forma que o construtor
de uma casa tem mais honra do que a própria casa. Pois toda casa é construída
por alguém, mas Deus é o edificador de tudo. Moisés foi fiel como servo em toda
a casa de Deus, dando testemunho do que haveria de ser dito no futuro, mas
Cristo é fiel como Filho sobre a casa de Deus; e esta casa somos nós…” (Hb
3:1-6a NVI). Os contrastes aqui estão entre o servo da casa, o construtor da
casa, e o dono da casa. O construtor e o dono são supremos sobre o servo da
casa. Moisés pode ter levado o povo à terra prometida terrena, mas não podia
levá-los para o descanso eterno.
Em seguida, Cristo é visto como o Sumo Sacerdote. Os
sumo-sacerdotes do Antigo eram como sombras da realidade por vir. Os
sacrifícios do Antigo eram oferecidos regularmente – Cristo oferece o
verdadeiro sacrifício, de uma vez por todas. Os sacerdotes do Antigo
ofereceriam em sacrifício objetos diferentes de si mesmos. O Sumo Sacerdote
oferece a Si mesmo – um sacrifício perfeito. Ele é tanto o sujeito como objeto
do supremo sacrifício expiatório.
Finalmente, o sacerdócio de Cristo difere do Antigo, pois
Cristo serve tanto como Sumo Sacerdote quanto como Rei. Na Antiga Aliança, o
rei deveria, em última instancia, vir da tribo de Judá. Os sacerdotes deveriam
ser consagrados da tribo de Levi (seguindo Arão). Mas Jesus não era um levita.
O Seu sacerdócio era um sacerdócio diferente, e de uma ordem diferente – a
ordem de Melquisedeque. Melquisedeque fez uma estranha aparição a Abraão como
rei e sacerdote, a quem Abraão prestou reverência. Hebreus argumenta que, assim
como Abraão é maior do que Levi, e Melquisedeque é maior do que Abraão, então,
manifestamente Melquisedeque é maior do que Levi. O eterno sumo-sacerdócio e a
eterna realeza são dados a Cristo, em cumprimento do Salmo 110.
Essas referências são apenas algumas das riquezas
estabelecidas em Hebreus, que declaram a supremacia de Cristo.